*Por Mariana Sebastião
Em agosto o Brasil chegou aos 100 mil mortos por Covid-19. Mesmo antes da OMS – Organização Mundial da Saúde – declarar a mais recente pandemia mundial, pesquisas sobre substâncias para combater o novo coronavírus já estavam em andamento. Após a declaração, essa corrida se intensificou e pelo menos 150 medicamentos estão sendo testados para Covid-19. Para avaliar as terapêuticas mais promissoras, a OMS lançou o estudo Solidarity em mais de 40 países, e o Reino Unido, através da Universidade de Oxford, lançou os ensaios Recovery. Além dessas duas grandes iniciativas, outras seguem em desenvolvimento mundialmente.
A participação do Brasil no estudo Solidarity é coordenada pela Fiocruz e o intuito é alcançar o maior número de pessoas no menor tempo possível. O projeto teve início com o estudo da eficácia de três frentes contra a Covid-19 – cloroquina e hidroxicloroquina, usados no tratamento de doenças autoimunes e da malária, os antivirais lopinavir e ritonavir – tanto isolados quanto combinados com a proteína interferon – usados no combate ao HIV, e o antiviral remdesivir, desenvolvido inicialmente para o tratamento do vírus ebola, mas que não apresentou resultados.
Recentemente a OMS interrompeu os estudos com a cloroquina, a hidroxicloroquina e os antivirais lopinavir e ritonavir, após os resultados das pesquisas até então realizadas comprovarem pouca ou nenhuma eficácia desses medicamentos na redução da mortalidade por Covid-19.
Os ensaios Recovery, que envolvem mais de 10 mil pacientes, iniciaram com o estudo de lopinavir-ritonavir, corticóides, hidroxicloroquina, azitromicina, plasma de convalescentes – plasma de pessoas que já se curaram de uma infecção pelo novo coronavírus e criaram anticorpos – e o tocilizumabe, fármaco utilizado no tratamento da artrite reumatoide. No entanto, como no estudo da OMS, a iniciativa também suspendeu as pesquisas com hidroxicloroquina e lopinavir-ritonavir, tendo em vista a ausência de benefícios no tratamento com as substâncias.
De lá para cá, alguns medicamentos passaram a ser mais procurados pela população à medida que a quantidade de informações aumentou e as redes pública e privada de saúde estabeleceram protocolos provisórios de tratamento para pacientes infectados. Mesmo assim, as discussões e a confusão em torno dos fármacos continuam crescendo. No entanto, uma interpretação dos estudos publicados pelos dois grandes ensaios internacionais pode diminuir as incertezas.
Veja, abaixo, o que se sabe:
Um dos objetivos dos fármacos difosfato de cloroquina e sulfato de hidroxicloroquina é tratar doenças autoimunes como artrite reumatoide ou lúpus, além de doenças resultantes de fotossensibilidade. São também conhecidos por serem medicamentos indicados no tratamento da malária. Embora possuam a mesma substância base e os direcionamentos para uso sejam muito parecidos, os dois remédios possuem efeitos colaterais diferentes. A cloroquina está entre as substâncias testadas em muitos estudos ao redor do mundo para o tratamento contra o novo coronavírus. Já foi testada anteriormente para o tratamento de aids, dengue, influenza, chicungunha, ebola e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), mas sem resultados significativos para essas enfermidades. Os resultados mais recentes também não constataram benefícios do seu uso na terapêutica para Covid-19. O que a colocou no centro das discussões não apenas científicas, mas também políticas nos últimos meses, começa com a publicação de estudos franceses que justificaram ter visto melhora de pacientes infectados com o novo coronavírus que fizeram uso do fármaco e da sua combinação com o antibiótico azitromicina. No entanto, o periódico que publicou um dos estudos fez uma retratação na qual explica que a pesquisa não atende a critérios importantes relacionados à inclusão, triagem e segurança dos pacientes. Outras críticas foram feitas justificando que os dados de ambos os estudos estavam confusos e mal relatados, o que pode ter influenciado diretamente nos resultados. Novas pesquisas têm divulgado os seus resultados sobre o uso de cloroquina no tratamento da Covid-19. A Universidade de Minnesota, por exemplo, liderou uma pesquisa com cerca de 400 pacientes infectados e não hospitalizados. No grupo tratado, não houve redução significativa dos desfechos negativos, atestando a não eficácia do medicamento para quadros leves da doença. A Universidade de Oxford, por sua vez, associou o uso da hidroxicloroquina à piora do quadro de mais de mil pacientes infectados, com períodos de internação mais longos, necessidade de ventilação mecânica e risco aumentado de morte, confirmando a ausência de benefícios no uso de cloroquina em pacientes hospitalizados com a doença. Um estudo brasileiro mais recente reforçou as evidências mundiais da não eficácia da substância. A OMS suspendeu os estudos clínicos com o medicamento dentro do ensaio Solidarity depois das evidências mais recentes da não eficácia do seu uso nos pacientes infectados. A Food and Drug Administration (FDA) revogou a autorização do uso das cloroquinas no tratamento da Covid-19 nos Estados Unidos. As Sociedades Brasileiras de Infectologia, Pneumologia e de Medicina de Família e Comunidade divulgaram posicionamentos recentes nos quais afirmam ser contra o uso da substância no tratamento da doença, em qualquer uma das suas fases, e chama atenção para que os agentes públicos reavaliem as orientações de tratamento da Covid-19.
A ivermectina é um princípio ativo muito utilizado para tratar doenças causadas por vermes e parasitas, tanto em humanos como em animais, além da infestação por ácaros, sarna e piolho. A OMS reconheceu esse fármaco como parte do programa para eliminar a oncocercose, uma das doenças parasitárias que pode causar danos irreversíveis, como a perda de visão.
A discussão sobre o uso da ivermectina no tratamento da Covid-19 veio à tona depois que um estudo australiano publicado em março de 2020 explicou que num processo in vitro, o medicamento conseguia inibir a replicação do novo coronavírus. No entanto, para conseguir esse efeito, a quantidade de ivermectina utilizada foi muito alta e não poderia ser administrada num ser humano por causa do seu potencial altamente tóxico. Em suma, a dose máxima que pode ser utilizada pelas pessoas é inócua contra o vírus.
Outro estudo sugeriu que o número menor de casos registrados de Covid-19 em países africanos estaria, entre outras coisas, relacionado ao fato do grande uso de ivermectina no continente, tendo em vista que a África possui muitas áreas endêmicas de oncocercose que receberam, até 2018, tratamento com a droga. Mesmo assim, não há dados clínico-laboratoriais que sustentam essa hipótese.
Embora a ivermectina esteja entre os princípios ativos candidatos a serem testados para combater a pandemia, nenhum estudo clínico evidenciou até agora a eficácia efetividade e a segurança do uso do fármaco em seres humanos nesse caso. Por essa razão, considerando as evidências atuais, não há fundamentos para indicá-lo como tratamento contra o novo coronavírus. Por causa do aumento da procura pelo medicamento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) submeteu a ivermectina à categoria de remédios controlados.
A azitromicina é conhecida por ser um antibiótico com ação contra muitas bactérias, incluindo as causadores de infecções no trato respiratório e as infecções sexualmente transmissíveis (IST). O seu uso é relativamente comum em casos de Chlamydia ou gonorreia, bem como pneumonia, faringite, sinusite e em algumas situações no tratamento de doenças pulmonares.
As discussões sobre o uso de azitromicina no tratamento do novo coronavírus ficaram conhecidas quando um estudo francês sugeriu a sua associação com a hidroxicloroquina, para tratar infecções bacterianas secundárias, bem como pelo seu efeito anti-inflamatório reconhecido. No entanto, o estudo foi posteriormente retratado pelo periódico que o publicou sob críticas de metodologia falha e resultados questionáveis. Além disso, um estudo conduzido pela Universidade de Oxford constatou que a azitromicina pode agravar as arritmias cardíacas que acontecem como efeitos colaterais da hidroxicloroquina.
Na prática médica o fármaco é também receitado separadamente para prevenir ou tratar infecções respiratórias, como a pneumonia bacteriana, que pode se desenvolver como consequência da Covid-19 ou se sobrepor a ela. Então, a eficácia da medicação nada tem a ver com o coronavírus, mas com o tratamento de consequências causadas pela Covid-19.
Uma pesquisa integrante dos Estudos Recovery confirmou recentemente bons resultados do uso do corticóide dexametasona em pacientes com Covid-19 que estavam submetidos à ventilação mecânica. A eficácia foi demonstrada na diminuição de quase 30% da taxa de mortalidade nos pacientes que fizeram uso do fármaco junto com o uso de ventiladores em comparação àqueles que não tomaram o medicamento.
A dexametasona é uma substância com alto poder anti-inflamatório. No entanto, de acordo com a pesquisa, o medicamento não teve nenhuma eficácia para aquelas pessoas que não tinham necessidade de oxigênio e até aumentou o risco de mortalidade desses pacientes. Com base nesses resultados, a Sociedade Brasileira de Infectologia publicou um informe orientador para o tratamento com o fármaco. A indicação é usá-lo em todos os pacientes com Covid-19 que estejam em ventilação mecânica ou que estiverem em uso de oxigênio mesmo fora das UTI’s.
O antiviral remdesivir, inicialmente produzido para tratar o vírus ebola, mas que não apresentou resultados efetivos, continua fazendo parte do ensaio Solidarity para o combate ao novo coronavírus. O que se tem até o momento é a publicação de um estudo preliminar feito nos Estados Unidos no qual o fármaco reduziu em quatro dias o tempo médio de recuperação de casos avançados da doença.
Baseada nisso, a FDA aprovou o uso do medicamento em caráter emergencial para casos severos da Covid-19, mas ainda não há evidências claras de que a substância seja capaz de diminuir a mortalidade pela doença. O remdesivir não possui licença para ser vendido no Brasil.
Dentro dos ensaios Recovery e em outros lugares do mundo também estão sendo conduzidos estudos para testar a eficácia do plasma de convalescentes para tratar casos graves de Covid-19. Trata-se de tirar o plasma - que constitui o componente líquido do sangue - de uma pessoa curada e transfundi-lo em alguém doente. Isso confere um impulso no sistema imunológico que pode acelerar o processo de recuperação.
Um estudo chinês que envolveu cinco pacientes críticos com Covid-19 mostrou que o uso de plasma de convalescentes ajudou quatro deles a se recuperar da síndrome respiratória aguda grave e três deles a sair da ventilação mecânica. No entanto, todos os estudos publicados até o momento referem-se ao tratamento em pacientes graves e em associação com outras medicações, com poucos participantes, e por isso ainda não é possível avaliar de forma mais aprofundada este tipo de terapia.
O Ministério da Saúde autorizou a coleta e transfusão de plasma de convalescentes no Brasil como terapia experimental para tratar Covid-19 até que mais estudos sejam concluídos.
Após a constatação de que a forma severa da infecção pelo novo coronavírus aumenta o risco de tromboembolismo, experts recomendaram o uso de anticoagulantes em alguns casos específicos de pacientes. Um estudo chinês com cerca de 400 pacientes com casos graves de Covid-19, divididos em dois grupos, observou o uso do anticoagulante heparina em metade deles.
Embora não tenha constatado diferença significativa na taxa de mortalidade entre o grupo que recebeu e o que não recebeu o medicamento, a pesquisa evidenciou que alguns pacientes em condições graves específicas poderiam se beneficiar do uso da substância. Mesmo assim, o estudo chama atenção de que não são todos os pacientes graves de Covid-19 que se beneficiarão de um tratamento anticoagulante.
Outra aposta dos cientistas é a imunoterapia, terapêutica que já é utilizada para o câncer e outras doenças. Para isso, os anticorpos contra o coronavírus são produzidos em laboratório, como uma cópia dos anticorpos naturais produzidos pelo corpo quando infectado. Essas proteínas sintéticas faz parte da classe dos anticorpos monoclonais. No entanto, os pesquisadores ainda investigarão o resultado exato que esse tratamento terá na recuperação de pacientes.
Pesquisas também estão em andamento com o tocilizumabe, fármaco que faz parte da classe dos anticorpos monoclonais e que é utilizado no tratamento de artrite reumatóide. Um estudo preliminar indica que o remédio pode prevenir a reação inflamatória exagerada que o sistema imunológico de alguns pacientes desenvolve em decorrência da Covid-19, tendo como consequência a redução da resposta anti-inflamatório e da necessidade de oxigênio.
*Mariana Sebastião é jornalista, pedagoga, estuda doutorado em ensino das ciências e é colaboradora da Rede CoVida