*por Raquel Saraiva
A vacina BCG completará 100 anos de existência em 2021. Por causa de seus efeitos diretos e indiretos na proteção contra infecções, ela ainda hoje é objeto de muitos estudos científicos. A novidade mais recente, que será investigada por cientistas de Salvador, é sua possível relação com a Covid-19. “É uma velha vacina que nos traz surpresa sempre”, diz Maurício Barreto, pesquisador da Rede CoVida e do Cidacs/Fiocruz.
Alguns trabalhos e relatos apontam que grupos vacinados com a BCG apresentam menor gravidade e menor mortalidade por Covid-19. “Essa proteção imunológica é plausível mas não é garantida. Para ter certeza é preciso comprovar”, explica Manoel Barral Netto, pesquisador da Fiocruz e membro da Rede CoVida.
Dois estudos integram o projeto baiano: um tem como objetivo estimar a eficácia da revacinação e da primeira dose da vacina BCG na redução da incidência por Covid-19, e o outro na redução da mortalidade por Covid-19. O primeiro vai utilizar o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP – Gripe) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). As informações serão vinculadas ao REVAC – BCG, uma bases de dados de 350 mil pessoas de 30 a 39 anos vacinadas e não vacinadas. O segundo estudo será desenvolvido a partir de base de dados de 1.250 casos leves, moderados e graves de Covid-19. As análises serão realizadas no Cidacs/Fiocruz e preservarão a segurança e a privacidade dos dados.
O projeto vem sendo executados desde o mês de julho e envolve instituições de diversos estado, dentre elas o Instituto Couto Maia (BA), Instituto Emílio Ribas (SP), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Anhembi Morumbi (UAM), Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS – AM) e Universidade de Pernambuco (UPE).
Além de Barral e Barreto, o estudo será desenvolvido por Susan Martins, colaboradora da Rede CoVida, professora e pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC – Ufba), Ramon Andrade, pesquisador do ISC e da Rede CoVida, entre outros cientistas. O grupo explicou a resposta imune associada à BCG, os indícios que a relacionam à Covid-19 e a metodologia dos estudos no seminário “Potencial Efeito protetor do BCG na ocorrência e severidade da Covid-19”, realizado no último dia 14 no canal do Cidacs/Fiocruz no YouTube. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do ISC (Ufba) e é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Outro ensaio, também apresentado no seminário, avalia mais de 10 mil trabalhadores da saúde da Austrália, Reino Unido, Holanda, Espanha e Brasil. No país o trabalho é coordenado pelo infectologista e pesquisador da Fiocruz, o baiano Júlio Croda. Nesse caso, a BCG será administrada e os indivíduos serão monitorados a cada três semanas para avaliação da incidência, tempo da doença e severidade de casos da Covid-19. O trabalho é financiado pela Bill & Melinda Gates Foundation e conta com o apoio da OMS.
História
A BCG foi produzida a partir de uma linhagem, ou bacilo, de bactérias denominada Calmette-Guérrin, de onde surgiu o nome BCG, em homenagem aos dois cientistas franceses que a desenvolveram. Além dos efeitos protetores contra a tuberculose infantil, a hanseníase e o câncer de bexiga, hoje sabe-se que a BCG também suscita uma série de respostas imunes não específicas – dentre elas, a redução das infecções respiratórias virais.
A vacina do BCG é uma das mais utilizadas no mundo, cobrindo cerca de 90% das crianças até os três anos de idade. Os pesquisadores alertam que não é para ir tomar a vacina buscando se proteger contra o coronavírus, já que não se sabe a duração da resposta protetora, e nem se de fato ela é eficaz contra a Covid. “Talvez esse treinamento da resposta imune inata ao nascer não seja duradouro até 50, 60 anos”, explica Júlio Croda. “As variáveis confundidoras de efeito precisam (…) e vão entrar nas análises epidemiológicas”, destacou Ramon Andrade.
A vacina é produzida em vários laboratórios no mundo. No Brasil ela é administrada desde 1927 e é obrigatória no primeiro ano de vida. Até 1994, o Ministério da Saúde recomendava uma segunda dose da BCG na idade escolar. Essa recomendação foi revista após estudo desenvolvido por Barreto, Martins e outros pesquisadores, mostrando que o efeito protetor do BCG contra a tuberculose perdura 20 anos após a vacinação. “Esses resultados subsidiaram na época a suspensão dessa recomendação”, lembra Susan Martins.
A BCG é conhecida por deixar uma pequena cicatriz no braço direito. A leitura dessa cicatriz foi utilizada como indicador de vacinação na construção da base de dados REVAC – BCG pelo referido grupo há quase 30 anos. Essa mesma base passará por uma nova análise no projeto que vai investigar a possível relação da vacina com a Covid-19.
Assista aqui ao seminário:
*Raquel Saraiva – graduanda em Comunicação Social (UFBA), bióloga e mestra em Fisiologia (UFBA), editora do site de divulgação científica Bate-papo Com Netuno. Colabora voluntariamente para a Rede CoVida.