Estudos trazem relatos de sequelas psicológicas após infecção por covid-19

Por Ricardo Andrade*

Pacientes que contraíram a Covid-19 podem desenvolver transtornos mentais como ansiedade e depressão, mesmo sem histórico psiquiátrico prévio. Isso é o que indica alguns dos primeiros estudos realizados para investigar os impactos da doença na saúde mental.

Pesquisadores da Universidade de Oxford disponibilizaram um estudo em formato pré-print (sem revisão por pares) na plataforma de artigos MedRxiv, que indica esta hipótese. Os pesquisadores avaliaram 62.354 mil casos de Covid-19 dentro de um período de oito meses (janeiro a agosto) e encontram que sintomas de doenças como ansiedade, depressão, insônia, demência e estresse pós-traumático aparecem em até três meses após a infecção. A ansiedade foi o mais citado, seguido de depressão e insônia. O estudo ainda passará pela revisão da comunidade científica, necessário para sua validação.

Outro estudo realizado por cientistas italianos apresentou que dos 402 pacientes analisados, 56% apresentaram pelo menos uma perturbação psicológica um mês após s erem liberados do hospital. A ansiedade mais uma vez foi o distúrbio mais encontrado nesta pesquisa, com 42% de casos. Os outros sintomas foram insônia (40%), depressão (31%), transtorno do estresse pós-traumático (TEPT, 28%) e TOC, transtorno obsessivo compulsivo (20%).

Distúrbios

A psiquiatra Helena Moura, doutoranda em psiquiatria pela UFRGS e preceptora da residência em Psiquiatria do Instituto Hospital de Base do DF, fala que é importante separar os problemas gerados pela infecção em si, dos relacionados às medidas preventivas (distanciamento social e cuidados de higiene pessoal). “Estresse pós-traumático (TEPT), assim como transtornos ansiosos e depressivos, podem ser decorrentes da infeção. Já TOC pode estar associado às medidas preventivas de higiene e o isolamento social pode ter gerado sintomas ansiosos e/ou depressivos”.

Helena explica que o TEPT pode surgir por causa do medo de vir a falecer após o paciente ser diagnosticado com Covid-19, e também da situação vivida quando internado. “Além disso, a impossibilidade de ver os familiares, o contato distante com os próprios membros da equipe de saúde, presenciar a morte de outros pacientes na mesma enfermaria, todos esses fatores geram muita ansiedade e podem evoluir para TEPT”.

Outros coronavírus 

Um artigo publicado em maio na revista Frontiers in Immunology, feito por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), revisou os estudos sobre os impactos neuroindócrinos de coronavírus e levantou hipóteses de como esta via pode impactar em sintomas neuropsiquiátricos. De acordo com o artigo, estudos observaram que pacientes com MERS (Síndrome respiratória do Oriente Médio) e SARS (Síndrome respiratória aguda grave), variantes do coronavírus, podem ter produzido distúrbios psicológicos de curto e longo prazo mediados por mecanismos neuroindocrinos e imunulógicos.

Alguns dessas manifestações são aumentos dos níveis de estresse, memória prejudicada, sintomas de depressão, ansiedade, TEPT, entre outros. Os sobreviventes da SARS, meses ou anos após a fase aguda da infecção também podem apresentar os mesmos sintomas.

O artigo também diz que, apesar de haver poucos estudos que avaliaram os resultados para a saúde mental da infecção por Covid-19, esses estudos recentes afirmam que houve prevalência de 96,2% de sintomas de TEPT em 714 pacientes com Covid-19 durante a fase aguda. Além de prevalência de 34,72% e 28,47% de sintomas de ansiedade e depressão, respectivamente, em 144 pacientes com COVID-19. Esses dados indicam que a Covid-19, pode ter impacto negativo na saúde mental em pequenos ou longos períodos.

Impactos na saúde mental são “nova pandemia”

O biólogo e pesquisador Wilson Savino, 68, do Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), é um dos autores do artigo. Ele comenta os casos de transtornos pela covid-19: é “bem possível”, mas ressalta que “só saberemos quando o tempo passar”. No entanto, segundo diz, vários distúrbios do sistema nervoso vêm sendo descritos, a exemplo das alterações imunológicas que podem podem acontecer por causa do isolamento e distanciamento social. “Estresse psicológico gera um certo grau de imunossupressão (redução da atividade ou eficiência do sistema imunológico), em particular pelo aumento de cortisol circulante”, afirma Wilson. O cortisol é o hormônio do estresse, cuja função é ajudar o organismo a controlar os níveis de estresse, pressão arterial, contribuir para o funcionamento do sistema imune. O pesquisador também diz que é provável que uma nova ‘pandemia’ relacionada à saúde mental aconteça no futuro.

A psiquiatra Helena concorda com a previsão de Savino e fala que esta pandemia já está acontecendo: é a chamada “quarta onda” da Covid-19, que é exatamente sobre os impactos na saúde mental. Nesta concepção, a primeira onda são as mortes por Covid; a segunda, a falta de atendimento para outras emergências por causa do colapso na saúde; e a terceira, problemas de saúde pela interrupção no tratamento de outras doenças consideradas crônicas em razão da pandemia e isolamento social. “Estudos já tem mostrado um aumento de 3-4 vezes para sintomas ansiosos e depressivos em comparação ao ano anterior à pandemia”.

Em maio, os pesquisadores da Rede CoVida já haviam publicado um documento de revisão que alertava para os impactos da pandemia na saúde mental e que indicava alguns caminhos possíveis para redução do sofrimento psiquíco associado a pandemia. “A vida da maioria das pessoas será afetada de alguma forma pelo COVID-19, nos próximos meses, e talvez nos próximos anos. Embora estudos robustos relacionados  à saúde mental em pacientes com COVID-19 ainda sejam poucos, as pesquisas indicam que exista consequências esperadas na saúde mental, principalmente entre as populações vulneráveis”, previam.

*Ricardo Andrade – graduando em Jornalismo (Unicarioca). Colaborador voluntário para a Rede CoVida.

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