Desigualdades sociais dificultam o acesso ao diagnóstico da Covid-19 no Brasil

Por Carla Beraldo*

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para enfrentar a disseminação do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, é testar maciçamente a população e combiná-la com o distanciamento social. Mas, como fazê-lo no 10º país mais desigual do mundo? É possível comparar o cenário brasileiro com iniciativas internacionais consideradas exitosas nas rotinas de testagem para a Covid-19? O abismo entre os que têm e os que não têm acesso aos testes reflete as políticas e as estratégias de saúde pública? A testagem é uma questão econômica ou também social e política? Como a falta de saneamento básico e o deslocamento para o trabalho influem no aumento do risco desses cidadãos?

Esses questionamentos balizam o estudo COVID-19 – Reflexões acerca das desigualdades no acesso ao diagnóstico, elaborado pelos pesquisadoras/es da Rede CoVida. O artigo demonstra a importância da disponibilidade e precisão de dados epidemiológicos no combate à pandemia. E, a partir da análise de dados internacionais e nacionais, evidencia como as disparidades econômicas, regionais, sociais e raciais, muitas vezes, funcionam como entraves para o acesso à saúde. Também preenche uma lacuna nos estudos sobre testagem da Covid-19 ao mostrar a discrepância em diferentes contextos sociais no Brasil e no mundo.

Um dos pontos centrais do estudo é o alerta para a necessidade de maior transparência nos dados sobre a testagem no Brasil. A pesquisa aponta que, até o momento, não há divulgação rotineira e sistemática sobre os testes aplicados no país, nem sobre sua quantidade absoluta, sua distribuição nos estados e municípios, ou informações cruciais sobre as populações testadas como idade, gênero e raça, por exemplo. 

“Mesmo considerando que a expansão da capacidade de testagem de muitos países foi gradativa e o início (dia zero) da epidemia também difere entre eles, quando comparamos a quantidade de testes realizados por um milhão de habitantes nota-se que a quantidade de testes realizados no Brasil até 13 de Março era consideravelmente inferior, alcançando aproximadamente 10% dos índices apresentados nos países cuja epidemia se iniciou em datas próximas a nossa, como Nova Zelândia, Bielorrússia, África do Sul, Lituânia e Irlanda”, alerta a pesquisadora Dandara Ramos.  

Para a equipe de cientistas, esta limitação na realização de testes no Brasil impõe um enorme desafio a avaliação do quadro real da evolução da doença no país, que oficialmente tem 28.230 casos confirmados com 1.736 mortes (Fonte: https://covid.saude.gov.br/, 15/04/2020). 

Além do problema da sub-notificação de casos, os estudiosos discutem suas implicações frente a condições socioeconômicas extremamente heterogêneas dos diferentes “Brasis”. A análise corrobora a ideia de que é impreciso calcular o mesmo risco de contágio para toda a população brasileira, considerando que suas rotinas de testagem não tem sido as mesmas e que o conhecemos sobre a epidemia no país ainda é muito limitado em virtude da pouca sistematização dos dados, o que impede a mensuração das desigualdades inerentes tanto ao processo de testagem como a própria evolução da incidência da doença em si.

Segundo a pesquisadora Dandara Ramos,  frente à limitação da capacidade de testagem atual do Brasil, há um grande risco de criação do que chamou “áreas de sombra”. Ou seja, estatísticas que não refletem a realidade, “geradas por sub-testagem e consequentemente subnotificação de casos em populações vulneráveis, com acesso dificultado aos serviços de saúde gerado pelas diversas barreiras como recursos financeiros, meios de transportes, além das barreiras institucionais”, pontua. Além disso, muitos desses cidadãos moram em localidades remotas ou com difícil acesso aos serviços de saúde.

No documento, as/os pesquisadoras/es afirmam que, se o conhecimento científico sobre a epidemia não incluir, desde o início, a busca por equidade e proteção dos mais vulneráveis, sairemos desse período com desigualdades em saúde ainda mais profundas. Apesar das limitações na literatura disponível sobre o tema, a discussão se antecipa ao trazer uma nova abordagem para o panorama brasileiro.

Acesse aqui o documento na íntegra

 

*Carla Beraldo é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em editoração pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Cursou MBA em Gestão de Comunicação pela Fundação Getúlio Vargas. É mestranda na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (GJol). Colabora voluntariamente para a Rede CoVida.

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