“Estamos perto da endemia do vírus, mas isso não significa o fim da pandemia”, declara pesquisador em evento da Rede Covida

Especialistas se reuniram para discutir sobre o possível fim da pandemia de Covid-19 e possíveis cenários futuros

“A minha hipótese é que a endemicidade da Covid-19 virá, com transmissão contínua do vírus e sazonalidade no inverno”. A fala do diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Medronho, que prevê um possível cenário para o fim da pandemia, foi apresentada durante o debate, realizado pela Rede Covida, na tarde desta quinta-feira (3), através do Youtube e da plataforma Zoom. Juntaram-se a ele, o professor do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Guilherme Werneck e o professor do curso de Biotecnologia do Instituto Gonçalo Moniz (IGM Fiocruz Bahia), Tiago Gräf. Os especialistas debateram sobre o assunto e também sobre um possível reinício da pandemia.

Apesar de tratar a possibilidade do vírus se tornar endêmico como quase certa, Roberto destaca que ela não garante o fim da pandemia, ao relatar que endemias ainda são capazes de matar centenas de milhares de pessoas. “Precisamos ter um debate ético sobre essa questão. O que é aceitável dentro deste cenário? Pegando como exemplo os EUA, onde a variante Omicron gerou grandes problemas, devido à baixa taxa de vacinação por conta da população do país, ela se tornou endêmica, com uma taxa de letalidade de 0,1% e isso passou a ser aceitável para a sociedade. No entanto, esta taxa ainda pode levar à morte de muitas pessoas. Além disso, é claro, é necessário avaliar o contexto dentro da desigualdade social e muitos outros”.

Contextualização histórica das pandemias

Para fazer uma comparação, o professor trouxe o cenário da Gripe Espanhola, por exemplo, que por volta de 1918 atingiu o mundo inteiro. “Tivemos várias pandemias ao longo da história da humanidade, entretanto, por conta da devastação constante da natureza e a desigualdade entre classes, elas devem se tornar cada vez mais presentes. O fim da pandemia de Gripe Espanhola só foi possível devido ao esforço coletivo tanto da sociedade, quanto da classe política, que trabalharam em conjunto. Precisamos pegar os parques tecnológicos que existem em diversos países para produzir vacina em escala suficiente para que assim possamos investir no fim da pandemia”, complementou Roberto.

Outra fala relevante durante sua apresentação, foi quando o professor expôs que a vacina é necessária, mas que sozinha não é suficiente para decretar a eliminação da Covid-19. “Se fosse assim, a varíola, que é uma doença na qual possui uma vacinação única, não teria surtos em diferentes épocas e regiões ao redor do mundo. Precisamos pensar sobre a seguinte problemática: como os EUA possuem a capacidade de vacinar em até três vezes o número de sua população, e outros países não conseguem sequer conceder a primeira dose para todos os cidadãos? O caso da Gripe Espanhola está aí para mostrar que o fim da pandemia não veio somente com o ‘fim epidemiológico’, mas também com o ‘fim da pandemia a nível social’”.

Ao fim da primeira apresentação, o evento, que foi mediado pelo coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia, Maurício Barreto e pela pesquisadora do Cidacs, Glória Teixeira, deu seguimento com a fala do Guilherme Werneck, da URFJ e UERJ, que iniciou sua palestra relatando como o atual período pandêmico é complexo. “Estamos no terceiro ano da pandemia, que vem acompanhado por uma fadiga geral por parte da população. Por isso, é bem razoável que as pessoas se agarrem a uma ideia de que estamos chegando no fim. Realmente, temos alguns sinais positivos, como o avanço da vacinação, que minimizou impactos, em determinadas regiões, que poderiam ter sido causados pela variante Omicron”, introduziu Guilherme.

Entretanto, ele foi categórico ao declarar: “Estamos longe de dizer que a pandemia está perto do fim”. Segundo Guilherme, falar que a pandemia está acabando é muito ruim caso a população e a gestão pública não estejam atuando para o fim da crise. “Antes de tudo, é necessário haver a discussão do que é ou não aceitável. E este aceitável não pode vir somente dos gestores públicos, mas também da sociedade, que nem sempre tem a oportunidade de opinar sobre o tema”. Para o professor e pesquisador, é necessário continuar investindo em vacina porque o problema de saúde pública vai continuar perdurando por anos. E que, também, é preciso aperfeiçoar as vacinas que estão em vigor”.

Famílias de vírus

O diálogo foi complementado pelo pesquisador da Fiocruz, Tiago Gräf, que trouxe uma apresentação mais focada nos aspectos técnicos no que diz respeito a endemia da Covid-19. Para explicar o que este cenário significa, ele utilizou três exemplos. “Existe uma endemia como a do sarampo, que possui vacina e evita que as pessoas se infectem, mas que não é 100%, tendo em vista que ainda ocorrem surtos ao redor do mundo. Outra perspectiva pode ser também relacionada aos outros tipos de coronavírus, (estima-se que sejam responsáveis por um terço dos resfriados ao redor do mundo) que ao infectar os seres humanos diversas vezes desde a infância, acaba por criar uma resposta imune mais eficaz”.

O terceiro cenário exemplificado por Tiago é sobre o vírus Influenza, que é semelhante ao coronavírus, mas com variações mais bruscas e intensas, por meio de variantes que levam a grandes crises, mesmo em adultos que já foram expostos a diversos tipos do vírus ao longo da vida. Diante do exposto, o pesquisador destaca a importância de falar sobre a resposta celular.

“Ainda que essa resposta celular não proteja contra a capacidade de infecção, ela pode diminuir a gravidade da doença. Basicamente é a forma como as vacinas funcionam atualmente. Entretanto, não temos nada deliberado se a resposta celular se manterá do jeito que está, ou se cairá nos próximos anos. O vírus vai continuar evoluindo e pode surpreender muito quanto a mutação em algumas espécies de animais e como ela apode atingir, de forma brusca, os seres humanos. Existem duas formas possíveis para o vírus evoluir, uma é aumentando sua capacidade de transmissão, ou de uma forma a escapar da resposta imune do hospedeiro. A variante Omicron, por exemplo, evoluiu para escapar da resposta imune”, disse Tiago.

Convite ao debate público

Antes dos especialistas responderem as perguntas por parte do público, que acompanhava a transmissão no Youtube e participava da reunião no Zoom, Tiago ainda idealizou o cenário mais preocupante em relação ao futuro da pandemia. “Seria no caso de as regiões que são alvo da resposta celular sofressem com a mutação do vírus. Isso poderia trazer um reinício da pandemia, mesmo após ter alcançado um estágio em que a Covid-19 se tornou endêmica”.

No próximo dia 10 de fevereiro (quinta-feira), novamente às 15h30, outro grupo de especialistas se reúnem com pesquisadores do Cidacs para dialogarem sobre “Como novas variantes do SARS-CoV-2 podem influenciar o curso e a superação da pandemia?”. Para participar, você pode assistir a transmissão pelo Youtube.

O webinário está disponível para ser assistido na íntegra, através do canal do Youtube do Cidacs:

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