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“É a primeira vez, na história dos vírus, que temos essa quantidade de genomas depositado em um banco de dados”, destacou a pesquisadora Marilda Siqueira, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), ao comentar sobre as 8 milhões de sequências que foram depositadas no banco de dados da OMS, a respeito das variantes do SARS-COV.
A fala ocorreu durante um debate, promovido pela Rede Covida, que aconteceu na tarde desta quinta-feira (10), para especialistas discutirem sobre a influência das novas variantes no curso da pandemia de Covid-19. Além de Marilda o webinário contou com a participação do convidado Anderson Brito, do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe (ITPS) e dos moderadores Claudia Santos, do Instituto Carlos Chagas (ICC/Fiocruz Paraná), e Manoel Barral, do Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz Bahia).
A pesquisadora Marilda deu início a sua apresentação trazendo conceitos de biologia molecular, ao afirmar que são muitos os fatores que influenciam a variação genômica de um vírus. Entre eles, estão as estratégias que os diferentes vírus utilizam para se replicar, pois quanto mais pessoas se infectam, maior será a diversidade de um vírus. “Também sabemos que a imunidade do hospedeiro influencia nesta diversidade. Vamos tomar como exemplo o vírus Influenza, que está presente em diversos animais ao redor de todo o mundo, possibilitando o contato com diferentes subtipos. Este vírus possui uma vigilância que já é antiga, com monitoramento constante e em constante aperfeiçoamento. Mas, ainda assim, todo ano surgem novas perguntas que precisamos responder, entre elas, qual será a composição da vacina para o ano seguinte. Visto que assim como a vacina da Covid, a da gripe também gera uma resposta imunizante de curto prazo”.
Vacinas e epidemias
Para conduzir a linha de raciocínio do público que assistia ao evento, ela apresentou gráficos de efetividade das vacinas, que demonstraram as formas como as vacinas da Influenza H3N2 tiveram proteções melhores ou piores. “Antes de tudo, precisamos entender qual tipo de vírus estamos lidando, o que ele oferece em termos de proteção e quais os desafios que nós temos para construir uma vigilância que nos ajude no enfretamento”, disse Marilda, ao relembrar que em 2020, com o surgimento da pandemia, a OMS deu apoio a diversos países para que houvesse uma vigilância efetiva. E esse modelo já era aplicado na vigilância de outros vírus, o que trouxe mais efetividade no processo.
“A primeira etapa foi conceder nomes comuns às variantes, como Delta, Gama e Omicron, com uma base de amostragem correta que fosse capaz de identificar cada variante por determinada região. É importante pensarmos como nosso sistema de saúde utiliza essas informações para que as estratégias sejam aplicadas de acordo com cada variante e localidade, visto que no Brasil temos uma gestão de saúde bastante descentralizada”, declarou.
Variantes do SARS-Cov-2 no Brasil
Sobre o papel das variantes no país, ela deixou claro que existem diferentes dinâmicas de espalhamento, justamente pelas informações baseadas em diferentes genomas e suas regiões. “A Omicron, por exemplo, começou a surgir primeiro na região sudeste, e depois tiveram casos no Norte do País”. Segundo ela, esta variante surgiu como uma reta exponencial nos gráficos de infecção pela doença no Brasil, mas que esse índice não acompanha no gráfico a quantidade de mortos pela Covid-19.
“Já é um efeito direto da vacinação em nosso país, se não tivéssemos essa adesão da população à vacina, estaríamos em um cenário muito mais doloroso. É preciso ressaltar que, em uma pessoa que já recebeu alguma dose da vacina e se infectou pelo vírus, mesmo que o número de anticorpos no organismo seja menor, esses anticorpos gerados pela vacina são importantes e eficazes para diminuir a quantidade de mortos e hospitalizações graves”, concluiu.
O pesquisador do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe (ITPS), Anderson Brito, que introduziu sua fala questionando qual o impacto que uma eventual nova variante pode ter no curso da pandemia. Para começar a responder a essa pergunta, segundo ele, é preciso levar em consideração que um vírus está sempre em processo de mutação, chegando a acumular cerca de três mutações por mês.
“Primeiro de tudo, é necessário destacar que a mutação só ocorre quando o vírus infecta alguém. Então, uma das formas de evitarmos novas variantes é justamente impedirmos que o vírus infecte outras pessoas, para assim impedir seu ciclo de mutação. É de fato uma tarefa muito difícil, pois o SARS-COV-2 se trata de um vírus respiratório e devido a sua replicabilidade, acumula tantas mutações, que muitas delas, nós cientistas nem conseguimos identificar”, disse o pesquisador ao destacar que dentro dessas variantes não sequenciadas, pode haver uma minoria de mutações que traga alguma vantagem do vírus sobre o nosso sistema imunológico.
“Com 8 milhões de genomas já temos um panorama bem amplo sobre um vírus. Só em relação ao SARS-Cov são mais de 1500 linhagens e sublinhagens, no entanto acompanhamos de uma forma mais intensa as cinco variantes de preocupação: Alfa, Beta, Gama, Delta e Omicron. O Brasil enfrentou de frente a variante gama, que elevou muito o nível de mortes. Dessa forma, quando a Delta chegou, ela já não teve o mesmo impacto que a variante anterior, pois uma grande parte da população já tinha sido infectada e a outra já estava sendo vacinada”, pontuou Anderson.
Infecção pós-vacina
O especialista também explicou que, desde o fim de 2020, a comunidade científica vem observando que as variantes que possuem características biológicas novas podem impactar o curso da pandemia, uma vez que o vírus acumula muitas variações. “A primeira característica mais importante é a transmissibilidade, ou seja, a capacidade de se replicar. O impacto na saúde pública vem justamente daí. Se um vírus for mais contagioso, com isso vem o aumento do número de gente contaminada, e com ele o aumento do número de leitos, mortes e assim sucessivamente”.
No entanto, de alguns meses para cá, ele ressalta que a sociedade vivenciou outra característica importante, que é a capacidade de alguns vírus evadirem os mecanismos de defesa que a população desenvolve, ou pós infecção ou pós vacina, e como essas variações têm uma capacidade maior de infectar pessoas que já foram vacinadas.
“É necessário deixar claro que essas mutações que os vírus acumulam de forma alguma irão abaixar a taxa de cobertura de vacinação de 90% para 0%, por exemplo. Este é um processo gradual, por isso a comunidade científica está constantemente avaliando as novas variantes que podem surgir e seus potenciais imunizantes”, elucidou.
Diante deste cenário, surge a pergunta: o que podemos esperar de novas variantes que irão eventualmente surgir? Para o pesquisador, esse vírus da Covid-19 já surpreendeu a cientistas de diversas formas, entretanto, a Omicron trouxe algumas pistas do que podemos aguardar para o futuro da pandemia. “A doença tem afetado pessoas não vacinadas de uma forma muito maior do que as vacinadas. Tendo em vista que a Omicron é uma variante muito transmissível e possui a capacidade de evadir nossa proteção é necessário termos em mente que a proteção imunológica não varia só de imunizante para imunizante. Por exemplo, pessoas mais idosas e que possuem o corpo mais debilitado podem não ter a mesma proteção do imunizante que uma pessoa mais jovem conquista quando se vacina. Então, além da forma como a vacina atua em nosso organismo é necessário que tenhamos esse pensamento demográfico ao abordamos a proteção vacinal”.
O futuro do debate
Ao final de sua apresentação, Anderson enfatizou que, independentemente do curso que as novas variantes assumam no futuro, é necessário continuar monitorando a vigilância da pandemia. “Para fazermos uma vigilância efetiva, é necessário investimento. Caso os investimentos sejam cortados, isso pode impactar na forma como vigilamos o vírus e, dessa forma, podemos voltar ao cenário mais preocupante que passamos no início da pandemia”, completou.
Ao final, os especialistas interagiram online e tiraram as dúvidas por parte do público. Vale ressaltar que este é o segundo de uma série de três eventos que visam discutir sobre a pandemia no cenário atual. A primeira edição, que ocorreu no dia 3 de fevereiro e dialogou sobre um possível fim da pandemia, também está disponível no canal do Youtube do Cidacs.