*por Raquel Saraiva
A pandemia do novo coronavírus pode ganhar um novo capítulo a partir de agora. O inverno chegou no último dia 20, e o temor dos pesquisadores e profissionais de saúde é que a temporada fria aumente a disseminação do novo coronavírus, assim como ocorre com o vírus da gripe todos os anos. “Nós temos interesse em compreender como o vírus vai se comportar no hemisfério sul com uma sobreposição entre vírus respiratórios sazonais e a Covid-19”, explicou Wanderson Oliveira. O epidemiologista e ex-secretário de Vigilância em Saúde (SVS/MS) falou no webinário Covid-19 no Hemisfério Sul. O evento foi promovido pela Rede Covida em parceria com o Cidacs/Fiocruz e a Ufba na última terça.
“O que sabemos é que nesse período temos no hemisfério sul maior número de pessoas gripadas – não necessariamente pela temperatura”, explicou. Características do período propiciam maior propagação do vírus, como a maior aglomeração de pessoas em ambientes fechados para se proteger do frio. Também o padrão de circulação do vírus em diferentes climas deve ser analisado. “Do ponto de vista climático, a região de Wuhan apresenta características similares à do sul do Brasil”, destacou Wanderson.
A sobreposição não ocorreu no hemisfério norte, porque o coronavírus circulou com mais intensidade em fevereiro e março, após o pico dos vírus respiratórios, ocorrido entre novembro e janeiro. Para compreender melhor a relação entre eles, o epidemiologista ressalta que é necessário comparar não só os casos, mas as características da Covid-19 e do influenza. E o momento de fazer isso é agora. “Estamos entrando na fase que a transmissão por vírus respiratórios é significativa no Brasil”, disse Wanderson.
Para a realização de monitoramento adequado, ele ressaltou a importância da ampliação das sentinelas e o investimento em pesquisa sobre cocirculação. “Vai ser muito interessante monitorarmos com lupas bastante precisas para entender um pouco mais a dinâmica de transmissão, e não simplesmente ficar contando palitos, contando casos. Isso não vai levar a lugar nenhum”. A crescente interiorização do vírus no país, com aumento dos contágios em cidades distantes das capitais, também foi enfatizada no webinário. “O ideal é tentarmos monitorar na maior escala possível, mais próximo dos municípios”.
Regiões
Outro fator que deve ser analisado é o padrão de circulação do vírus nas diferentes regiões do Brasil. O epidemiologista mostrou dados do InfoGripe, que monitora os casos reportados de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). O trabalho, mantido por equipe da Fiocruz, mostra que o território nacional pode ser dividido em 4 grandes regiões com padrões similares de circulação de vírus respiratórios.
No Espírito Santo e no Rio de Janeiro, por exemplo, o vírus influenza tem características de transmissão mais similares que aquelas da região compreendida entre o Ceará e a Bahia. Já as síndromes respiratórias nos estados de Minas Gerais e São Paulo têm sazonalidade e padrões comuns aos estados do sul brasileiro. “Se você conseguir monitorar a síndrome gripal, você tem a oportunidade de entender a dispersão e a tendência, e com isso você pode auxiliar a preparação do seu estado”, explicou.
No webinário o ex-secretário da SVS mostrou o panorama também em outros países e continentes. O Uruguai e o Paraguai fizeram medidas de distanciamento social exemplares, de acordo com Wanderson, e são os países com menor número de contágios entre os sul-americanos localizados abaixo da linha do Equador. Ele ressaltou que abaixo da linha do Equador, o continente africano está fazendo mais testes que a porção sul americana (165.673 contra 226.712 por milhão de habitante).
Embora a Nova Zelândia tenha sido muito falada pelo combate efetivo, as Ilhas Fiji, Polinesia Francesa, Austrália e outros países da Oceania adotaram procedimentos muito parecidos e tiveram resultados bem sucedidos. Os 12 países do continente tiveram juntos taxa de 8 óbitos por 100 mil habitantes. Na África, ocorreram 156 óbitos a cada 100 mil habitantes. O continente compreende 41% da população do hemisfério sul.
Vigilância
Wanderson criticou a análise focada unicamente na Covid-19 e em número de óbitos, “que é um evento que já aconteceu”. Segundo o epidemiologista, é fundamental expandir o monitoramento inclusive para casos de pacientes que não são hospitalizados. “A Covid-19 influenciará a vigilância de síndromes respiratórias, tendo a síndrome gripal e respiratória aguda grave como eixos centrais”, concluiu.
Ele ressaltou também que outras enfermidades, como o sarampo e a dengue, não podem ficar esquecidas. Além do número de casos estar ampliando, uma possível relação imunológica dessas doenças com a Covid-19 precisa ser avaliada. O epidemiologista destacou o trabalho do Cidacs e da Rede CoVida, e disse que na sua gestão como Secretário de Vigilância em Saúde, usufruiu “de muitas das publicações e das análises que a Rede CoVida vem fazendo, consolidando uma série de conhecimentos e evidências”.
Wanderson Oliveira tem 22 anos de experiência em saúde pública e vigilância epidemiológica. Integrava o Ministério da Saúde desde 2011 e, além da resposta nacional ao coronavírus, participou da resposta ao Desastre em Brumadinho, da implantação da Estratégia “Movimento Vacina Brasil” e integrou a Plataforma Zika, do Cidacs/Fiocruz Bahia. O ex-secretário oficializou seu pedido de demissão da pasta no último dia 25 maio.
“A exoneração aconteceu em uma data muito simbólica: aniversário da Fiocruz, que luta há 120 anos pela saúde pública e é conduzida por pesquisadores, epidemiologistas e sanitaristas civis das diversas áreas do conhecimento. Conseguiram ao longo de mais de um século erradicar varíola e eliminar poliomielite, rubéola, chagas vetorial além de várias doenças. Uma instituição pública que é patrimônio do Estado Brasileiro, passou por muitos governos de diversos matizes ideológicos e assim, continuará. Vida longa à Fiocruz!”, disse Wanderson em carta de despedida do Ministério.
O webinário pode ser visto na íntegra no canal do Cidacs/Fiocruz no Youtube. O trabalho de Wanderson Oliveira pode ser acompanhado também no blog Epidemiologista. Confira o webinário na íntegra:
*Raquel Saraiva – graduanda em Comunicação Social (UFBA), bióloga e mestra em Fisiologia (UFBA), editora do site de divulgação científica Bate-papo Com Netuno. Colabora voluntariamente para a Rede CoVida.