A pandemia de COVID-19 estabeleceu uma situação epidemiológica extremamente grave, em função da elevada transmissibilidade do seu agente etiológico, o SARS-CoV-2, e a gravidade de parcela dos casos, que exigem atenção à saúde de alta complexidade. Diante desse quadro, as autoridades sanitárias voltaram-se para a ampliação da rede hospitalar, inclusive das unidades de terapia intensiva (UTI), o que de fato se fazia necessário; porém, sem assegurar uma vigilância universal voltada à detecção de novos casos e, principalmente, maximização das ações de controle visando à redução da transmissão viral.
Um dos mecanismos cruciais para contenção de qualquer epidemia é a instituição de estratégias especiais de vigilância com o objetivo de detectar o maior número possível de casos e contatos e posterior adoção de ações que reduzam o risco de disseminação da doença, particularmente quando o agente é transmitido por via respiratória, como o SARS-CoV-2. A COVID-19 é uma doença comunitária, que se dispersa muito rapidamente e se manifesta de forma similar a outras síndromes gripais (SG), sendo de difícil contenção.
Conforme salientado por Sarti et al. (2020),2 a ampla rede de atenção primária à saúde (APS) do Brasil vem contribuindo para alcançar importantes resultados na melhoria das condições de saúde da população, e pode se constituir em um dos sustentáculos das ações necessárias à contenção do problema. Nesta direção apontada pelos autores, entendemos ser fundamental o desenvolvimento de estratégias específicas de articulação da APS com as equipes da vigilância epidemiológica (VE) dos municípios, por considerarmos ser esta a via capaz de promover a detecção e controle universal de casos e contatos que a pandemia da COVID-19 está a exigir.
O sistema de vigilância de doenças transmissíveis do Brasil, embora apresente limitações, encontra-se bem estruturado, atua de forma capilarizada em todos os municípios do país, ao lado da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), e desenvolve sistemática e, em geral, oportunamente as ações de vigilância e controle pertinentes a cada uma das doenças infecciosas de interesse da saúde pública.3 Ademais, o sistema de vigilância investiga e desencadeia ações quando da ocorrência de eventos inusitados, como foi o caso da epidemia de microcefalia/síndrome congênita do vírus Zika. Em sua rotina de trabalho, as equipes de APS desenvolvem algumas ações de VE. Todavia é incipiente a integração das equipes de APS às equipes de VE, no que se refere às investigações epidemiológicas de campo em seus territórios de atenção, identificação e controle de contatos, a exemplo do que acontece com as vigilâncias de tuberculose e hanseníase. Na grande maioria dos municípios, essas atividades são da responsabilidade estrita da VE. Um dos grandes desafios do SUS, reconhecidamente, é o de fortalecer a articulação da APS com a VE em todas as suas esferas.
A seguir, abordaremos alguns limites da implementação da VE da COVID-19 no país, e apresentaremos sugestões para o aprimoramento das ações de vigilância a serem desenvolvidas no âmbito da APS.
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Autores:
Maria Glória Teixeira*1 – orcid.org/0000-0003-3318-3408
Maria Guadalupe Medina*1 – orcid.org/0000-0001-7283-2947
Maria da Conceição N. Costa*2 – orcid.org/0000-0001-7275-4280
Manoel Barral-Netto*2 – orcid.org/0000-0002-5823-7903
Roberto Carreiro*3 – orcid.org/0000-0002-0356-0076
Rosana Aquino1 – orcid.org/0000-0003-3906-5170
1 Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva, Salvador, BA, Brasil
2 Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Gonçalo Moniz, Salvador, BA, Brasil
3 Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde, Salvador, BA, Brasil