Encontro aconteceu na tarde desta quinta (3), para dialogar sobre como as vacinas funcionam
Muita gente costuma se perguntar o motivo de tomar vacinas contra a Covid-19 e porquê a própria imunidade do organismo gerada pós infecção não é o suficiente para estar protegido. Para responder a esses e outros questionamentos, um grupo de especialistas se reuniram em mais um evento online da Rede Covida, na tarde desta quinta (3), para dialogar sobre “Como as Vacinas funcionam e o que é possível esperar para o futuro”. Entre os convidados, que também tiraram dúvidas por parte da população, Cristina Bonorino, membro da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) afirmou que, antes de entender como as vacinas funcionam, é necessário entender como funcionam os anticorpos e a infecção pelo vírus.
“Nosso trabalho enquanto cientista não é somente estudar a vacina, mas estudar também a infecção e uma possível imunidade para essa infecção. No entanto, podemos estudar uma vida inteira sobre esses temas e ainda assim não termos uma resposta absoluta. Neste cenário de pandemia em que vivemos, a gente estuda a imunidade dos indivíduos que se infectam para tentarmos descobrir qual a melhor reposta imune que ele pode gerar, a fim de proteger outras pessoas da mesma infecção. Acontece que a imunidade é extremamente variada entre as pessoas. Enquanto algumas conseguem uma resposta imunológica alta e duradoura, após se infectarem, outras não produzem reposta alguma, e continuam vulneráveis a diversas reinfecções”, explicou Cristina.
Resposta imunológica
De acordo com a pesquisadora, se todo mundo ficasse protegido com a mesma resposta imune, não seria necessário a vacina, entretanto, não é bem assim que as coisas ocorrem na realidade. “A vacina é um instrumento de saúde pública poderoso, pois quando um indivíduo está vacinado seu corpo é capaz de controlar aquele microorganismo, diminuindo o quadro de gravidade da doença”. Além disso, ela ressalta que desde o início da pandemia as pessoas se perguntavam quando ela iria acabar, ao passo que o consenso geral dos cientistas era em dizer que isso iria depender do esquema de vacinação da população.
“As vacinas que existem hoje em dia podem proteger contra a gravidade da doença, contra hospitalizações e mortes. Ao criarmos as vacinas, primeiro foi necessário avaliar se elas são seguras, para em segundo plano refletir qual delas é a mais efetiva. A comunidade científica acreditava que já conhecia bastante sobre os coronavírus, tendo em vista a experiência anterior com o SARS e o MERS. Mas, se a vacina veio de forma rápida, foi devido a utilização do conhecimento anterior proveniente desses outros vírus, que possibilitaram o que chamamos de desenho da vacina”, disse.
Cristina demonstrou que primeiro é necessário comparar a proteção que a vacina gera em relação a imunidade à infecção, e depois verificar se ela gera anticorpos neutralizantes que bloqueiam a ligação do vírus nas células. Por fim, a proteção vacinal, através do que se conhece como memória imunológica, vai se dar através dessas duas questões, somadas a possibilidade de uma resposta celular. “Mesmo que no sangue da pessoa vacinada apareça que essa proteção esteja diminuindo em quantidade, no momento em que o vírus entra no seu organismo, a proteção pode voltar, para que seu corpo não tenha que gerar todo o processo novamente de criar uma defesa”, complementou.
Vacinação Oral
A segunda apresentação do evento ficou à cargo de Ana Caetano Faria, que também é membro da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). Ela focou a sua fala na possibilidade de vacinas orais para a Covid-19 e começou trazendo quais seriam as vantagens deste tipo de vacinação.
“A primeira delas é a facilidade de administração, por não precisar injetar nada em ninguém. A segunda pode se relacionar aos requisitos menos rigorosos de pureza, justamente por excluir a injeção nas pessoas, a terceira vantagem seria a dispensa das agulhas e a quarta é que com a vacina de mucosa, seja nasal ou oral, conseguiríamos tanto uma imunidade sistêmica, explicada na primeira apresentação do evento, como também conseguiríamos induzir uma imunidade local”. Esse tipo de imunização, segunda ela, é muito importante, pois a população alcançaria uma imunidade na linha de frente da entrada do vírus, para controlar não só a doença em si, mas também a infecção de forma geral, fazendo com que as pessoas não se infectem. Outro benefício é que seria possível controlar o contágio dos assintomáticos, que costumam ser portadores e espalhadores do vírus.
Para entender como funciona a imunidade de mucosa, primeiro é necessário saber que é na mucosa do pulmão onde estão as células epiteliais, nas quais o vírus vai se infectar e se estabelecer no corpo. A infecção começa nessa barreira mucosa, onde a maior parte dos anticorpos são IGA, que são uma forma de proteção do epitélio contra a entrada de microorganismos. E a IGA é produzida na mucosa, como uma molécula bivalente que tem maior chance de se ligar em antígenos, ou seja, a intenção é prevenir que a infecção chegue até o epitélio, morrendo ainda na região da mucosa.
“É por isso que o mundo vem discutindo o tema da vacinação pela mucosa como uma forma mais eficaz de impedir a infecção. Em vez de gerar uma reação imunológica dentro do corpo, passamos esse combate para fora do corpo”, concluiu Ana, que foi seguida por Ligia Kerr, do Instituto Gonçalo Moniz (IGM-Fiocruz Bahia), que apresentou em números e gráficos, sobre a perspectiva que a população tinha no início da pandemia e o atual cenário.
O que podemos esperar para o futuro?
Um gráfico apresentado demonstrou o seguinte exemplo, no período de 24 meses com a população brasileira em pandemia, em 20 meses a Covid-19 foi a maior causa de morte no país. “Em meados de 2021 havia reflexões dos pesquisadores que acreditavam que a alta imunização geraria a imunidade de rebanho e tudo voltaria ao normal, mas a realidade mostrou ser diferente. Fomos impactados por essa cobertura irregular no mundo todo, abertura precoce da economia, vacinas com baixa taxa de proteção e surgimento de novas variantes. Todo esse cenário reflete a complexidade e o desafio que a pandemia traz, mas nada disso deve ofuscar a efetividade da vacina”, disse.
Ela mostrou diversos países como exemplo, relatando que o Brasil é considerado o pior país com desempenho de luta contra a Covid-19 do mundo, entretanto, é o único com capacidade de vacinar a quantidade da população que possui, na velocidade em que o fez. “Atualmente, temos 72% de cobertura vacinal no país com duas doses, enquanto outros países estão com taxas bem menores. A desigualdade entre os países levou a uma onda de novas variantes ao redor do mundo”, alertou Ligia.
Durante o evento, foi também apresentado um índice que demonstra as diferenças entre a proteção das vacinas, no entanto, ficou claro como todas elas levam a diminuição da morte entre as populações vacinadas contra as pessoas que não se vacinaram e estão mais vulneráveis. “O risco da infecção em forma grave da doença é 10 vezes maior entre não vacinados, com idade entre 18 a 59 anos. A baixa proteção contra a infecção promove uma alta disseminação do vírus e torna mais difícil de quebrar as cadeias de transmissão da Covid-19”.
“Além disso, a maioria dos óbitos que ocorrem atualmente são em não vacinados, por isso não podemos deixar de reconhecer o papel importantíssimo das vacinas, assim como também não podemos nos esquecer que a vacinação das crianças poderia ter começado desde dezembro do ano passado, mas só começou em final de janeiro, por conta da abertura que o Governo Federal deu ao movimento antivacina”, finalizou.
Para o futuro, a pesquisadora vislumbrou que serão necessários diferentes tipos de vacina, para não só reduzir efeitos colaterais graves durante a infecção, mas para impedir a própria infecção de se manifestar. Também será necessário combater a distribuição irregular da vacina, pois há uma elevada vacinação em alguns países e em outros locais, que são conhecidos como desertos vacinais, há uma cobertura vacinação menor que 15%.
O próximo encontro da Rede Covida acontecerá no dia 10 de março, às 15h30, com o tema “Qual o futuro para o SUS?”. Estarão presentes o ex-ministro da Saúde, João Gomes Temporão, a pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ligia Bahia, a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Ana Luiza Viana, com mediação dos membros da Rede Covida e pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luis Eugênio e Erika Aragão.