Por Catarina Schneider*
Desde fevereiro deste ano, o Brasil tem enfrentado uma das suas maiores crises nas diversas instâncias da sociedade. À medida que o vírus foi se espalhando pelo mundo, vários setores da sociedade foram sendo atingidos e tendo que ser repensados e não foi diferente com a Educação, com 1,5 bilhão de estudantes sem aulas. Ainda assim foi mantido o de forma regular o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2020) o que reproduzirá ainda mais as injustiças sociais no país dado a suspensão das aulas. Pesquisadores da Rede CoVida, membro do Grupo de Impactos Sociais e Distributivos, trouxeram reflexões sobre esta questão e como é desigual o impacto sobre os mais pobres, conforme texto.
O documento defende que as medidas se suspensão das aulas são necessárias diante da pandemia em que se encontra o mundo, para mitigar a proliferação do vírus e o aumento do contágio. Contudo, destaca que essa estratégia trará significativos impactos para a educação e para outras esferas, como ocorreu durante a epidemia de Ebola (2014 a 2016), uma vez que o fechamento de escolas aumentou significativamente a evasão escolar, violência contra criança no ambiente doméstico, trabalho infantil, gravidez na adolescência e disparidades socioeconômica. E entre os estudantes matriculados no Brasil, mais de 80% estão na redes públicas.
De maneira geral, as aulas foram suspensas na rede pública e privada, e segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), desde o início da pandemia do Coronavírus, 188 países já fecharam totalmente os seus sistemas educacionais, deixando de fora das salas de aula mais de 1,5 bilhão de estudantes, entre os quais estão os brasileiros desde a educação básica à superior.
A Internet
Vista por muitos como uma ferramenta democrática, a internet realmente está cada vez mais acessível e tem sido pensada como estratégia com a implementação da Educação a Distância (Ead). Porém, ainda existe uma grande parcela no nosso país que não tem, nem nunca teve nenhum acesso ao mundo digital. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano de 2017, cerca de 61% dos domicílios tinham acesso à internet.
É claro que a internet está longe de ser uma ferramenta universal e igualitária. Se olharmos por classes, a conhecida como “A” e “B” tem 90% das pessoas com acesso à ferramenta; já as classes “D” e “E” somente 42% das pessoas estão conectadas. Além da diferença por classes, há também um abismo real quando comparada às áreas urbanas e rurais: mais de 70% encontram-se nas áreas urbanas. Portanto, o mundo virtual não deixa de ser uma extensão do que vivemos no real, com a reprodução da desigualdade e exclusão por meio das tecnologias de informação.
Segundo a Organização das Nações Unidas Brasil (ONUBR), “educação é muito mais do que apenas aprendizado em sala de aula. Para milhões de crianças e jovens, escolas são uma oportunidade de salvação e também um abrigo. Quando as escolas fecham por mais do que algumas semanas, casamentos precoces aumentam, mais crianças são recrutadas por milícias, exploração sexual de meninas e adolescentes aumenta, gravidez de jovens aumenta e o trabalho infantil aumenta. O inverso também é verdadeiro: a educação melhora significativamente não apenas as perspectivas de vida individual, mas a estabilidade e a prosperidade de sociedades inteiras”. E essa é uma realidade no nosso país.
Além do fato da restrição do acesso à internet, temos que pensar também que o processo de aprender e ensinar nessa modalidade está diretamente relacionado à autonomia e disciplina dos estudantes, além da formação dos professores. Precisa haver na cultura do ensino-aprendizagem uma formação em que o aluno seja ensinado a ter responsabilidade sobre a sua aprendizagem e que os professores tenham capacitação para lidar com as tecnologias digitais e para acompanhar os seus alunos à distância.
Para ensinar numa plataforma online, os educadores precisam estar constantemente se reinventando, já que é um espaço que são exigidos a construção de novos saberes, sempre visando a evolução na aprendizagem dos discentes. Dessa forma, não é apenas transferir o ensino presencial para o virtual, pois tem outras questões que influenciam diretamente a viabilidade dessa nova modalidade.
Dentro dessas questões está a problemática fundamental de como manter a atenção do aluno no ensino à distância, pois apesar dos cursos EAD terem crescido nos últimos tempos, os dados do INEP (2018) revelam que a evasão também é maior na EAD quando comparada ao ensino superior presencial. Dentre os fatores que justificam essa evasão estão a falta de apoio acadêmico, problemas com a tecnologia e a falta de apoio administrativo.
Retornando à questão central referente à educação brasileira em tempos da pandemia de Covid, é documento destaca outros pontos que estão relacionados a este tema. O primeiro deles é que a escola pública no país vai além da questão educacional, pois ela também está diretamente relacionada ao acesso à alimentação diária dos alunos, já que a alimentação escolar é universalizada em todas as escolas públicas do país. Estudos apontam que a escola é responsável pela mais importante ou única refeição feita no dia por milhares de alunos e a sua interrupção irá refletir diretamente no estado nutricional de muitas crianças e adolescentes. Relacionado a esse fato, está a questão econômica de grande parte da população brasileira nesse momento de crise.
O documento destaca diversos desafios da situação. A escola além de ambiente de aprendizagem é também espaço em que a criança é vista por diferentes agente sociais e sinais de violência e sofrimentos podem ser vistos e assim também receberem assistência. Por isso, os pesquisadores destacam que a suspensão das aulas não pode ignorar esses aspectos da escola.
Veja o documento completo aqui.
* Catarina Schneider é jornalista pela Universidade Federal de Sergipe e doutora em Comunicação e Informação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ela é colaboradora voluntária da Rede CoVida.